Que tal jantar de olhos vendados e se entregar à exploração dos outros sentidos do corpo? É certo que a visão nos toma toda a atenção no momento da refeição e nos impede de sentir genuinamente o olfato, o tato, o paladar e o barulho que a comida faz dentro da boca. No jantar “Nu Escuro” idealizado por Renato Quintino em parceria com a Amadoria, o cardápio é secreto justamente para as pessoas descobrirem o que há além do que se pode enxergar. Os participantes chegam e são vendados e assim permanecem até o final do jantar.

Foto: @qu4rtostudio / @qu4rtofoto

Não há talheres e a sensação de comer com as mãos é libertadora. Existem “tutores” que ficam por perto de cada mesa para auxilia-los a pegar a taça de vinho, ou direcionar até o banheiro por exemplo. São 5 pratos combinados com vinho geralmente e a ansiedade em descobrir o que se leva à boca aumenta a cada momento.

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De início, senti o aroma de azeite trufas de longe, antes mesmo de tocar no prato. Não que estivesse em excesso, mas é um cheiro inconfundível. Na verdade, não foi servido em prato, estava numa taça e me pareceu um creme de batatas. Fácil de comer sem talher já que era líquido.

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O segundo prato tinha forma de bolinho e senti que era frito ao tocar com a ponta dos dedos. Levei até o nariz e percebi que se tratava de peixe. Na boca confirmei que era bolinho de bacalhau, esse foi fácil de acertar. Fácil também foi identificar quando o vinho era tinto ou branco. Já as uvas… não é uma tarefa nada fácil mesmo de olhos abertos, imagina vendado.

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O terceiro enganou muita gente. Era alguma proteína animal no espetinho repousado sobre um molho de lamber os dedos, adocicado e com certa acidez. Cheirei, cheirei, achei que era frango. Uma mordida, duas mordidas, mudei o chute para filé mignon, sem ter muita certeza. Naquele momento eu já estava ansiosa para saber o que era, mas os pratos só são revelados no final. O jeito era guardar aquelas percepções na memória para tirar a prova ao final.

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Último prato salgado chega à mesa e imaginei que tinha algum queijo e alguma carne parecida com cordeiro. Eu estava enganada quanto à carne. O que mais me vinha na cabeça era o maravilhoso cheiro de pão na chapa e logo imaginei aquela crostinha preta e saborosa que ser forma na superfície de um alimento na chapa quente. Na sobremesa o cítrico gritou no nariz e já pensei: oba, essa eu vou gostar. Será que esse bolo leva raspas de limão? Ou será de laranja? A ansiedade só crescia a cada bocada. Um exercício de paciência, ótimo para criar novas sinapses cerebrais, explorar a fundo o ingrediente e perceber como é ele bem trabalhado na comida sofisticada de um bom cozinheiro.

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No meio do jantar, a moça que estava do meu lado propõe me dar um pedaço da comida na boca. Foi divertido procurar onde ela estava no escuro. O som da voz e o tato me guiavam até conseguirmos a façanha. Todos da mesa aderiram à brincadeira e teve copo derrubado na mesa. Precisamos treinar mais.

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É chegada a hora das revelações! Aceitei sobre a vichyssoise, clássica sopa fria francesa a base de batatas, que estava muito bem temperada com cogumelos e um fio de azeite trufado. Bolo de Bacalhau à Vicentina, com azeite de aliche e alcaparras, esse eu também descobri facilmente.

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Sobre o espetinho, eu não consegui perceber que era um Satay de Pato e o delicioso molho era amendoim, shoyo, pimenta e tamarindo – explicado o doce com ácido.

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Nessa hora a cabeça já vai dando um nó e pouco acertei sobre o Smørrebrød “caipira”: pão de polvilho e parmesão, carne seca, toque de geleia de pimenta defumada, maçaricado com molho denso de catupiry e tomate. Mas descobri de onde veio o tostado que me fez delirar.

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O que pensei ser limão, na verdade era laranja no bolo de nozes com tâmaras e fiore de latte de laranja.

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As harmonizações foram muito bem pensadas. Torreon de Paredes Chardonnay Reserva com o Vichyssoise, Finca El Origen Rosado de Malbec com bacalhau, Corvos de Lisboa Casa Santos Lima com pato e Ancla Reserva Cabernet Sauvignon com carne seca. Adivinhar os aromas dos vinhos já é uma tarefa bem mais avançada e por isso que a gente deve cheirar tudo que se como e tudo se bebe, a fim de criar um banco de dados olfativo grande para servir de respaldo às adivinhações.

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No final, Renato ainda dá uma aulinha sobre harmonizações. Foi professor da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-MG) por 5 anos, onde lecionou sobre harmonização de vinhos, enologia e vitivinicultura, além de trabalhar como consultor gastronômico criando cardápios, cartas de vinhos e promovendo treinamento de equipes para restaurantes, lojas e empórios gourmets.

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Ele explica que o Chardonnay chileno muitas vezes pode se  mostrar excessivamente amanteigado e floral, porém o Torreon de Paredes não tem caráter enjoativo e lembra um Chablis, já que passa em madeira e ganha um toque malolático, de leite, de creme de leite, harmonizando bem com pratos que levam esses ingredientes. Justificou sobre a escolha do rose para o bacalhau ponderando que como incluiu aliche e alcaparras na receita, o tinto não poderia ser eleito nessa combinação. Geralmente ele gosta de servir um Pinot Noir para acompanhar carne de pato mas como havia pasta de amendoim, pimenta, tamarindo, o Pinot Noir ficaria meio pobre e portanto escolheu o Corvos de Lisboa Casa Santos Lima que tem médio corpo e boa presença. A carne seca precisava de um vinho com mais estrutura, a ser suportada pelo Ancla Reserva Cabernet Sauvignon, dada a potência dessa cepa.

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No dia 13 de novembro, às 19:30 pontualmente, essa baita experiência de exploração dos sentidos acontece novamente na Amadoria, com um novo cardápio elaborado pelo Renato Quintino, levando em consideração as restrições alimentares dos participantes. O investimento é de R$180 e inclui as bebidas. Inscrições pelo sympla. Fotos: Dilson Ferreira @qu4troestudio.

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Muito obrigada pelo convite!

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Nu Escuro na minha coluna de gastronomia do Jornal da Cidade BH:

http://degustatividade.com.br//wp-content/uploads/2015/07/182_Nu-Escuro-Renato-Quintino.pdf

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Renato Quintino

www.renatoquintino.com.br

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Amadoria

Rua Mucuri, 325 – Floresta

www.amadoria.com.br