Luiz Filipe Souza é da geração de jovens chefs de destaque nacional, tem 34 anos, formou-se em gastronomia pela Faculdade Anhembi Morumbi e esteve por 8 anos ao lado de Salvatore Loi no Fasano. Abriu o Evvai em julho de 2017 e após 2 anos já ostenta uma estrela Michelin. No mesmo ano estreou na 40ª colocação entre os 50 melhores restaurantes da América Latina, pela revista britânica Restautant e em 2023 figurou em 22º da cobiçada lista.
O novo menu “Oriundi” tem 16 etapas (R$799), um extenso espetáculo de criações, texturas, intensidades, emoções e surpresas que fundem ingredientes e técnicas da cozinha italiana e brasileira.
A harmonização de vinhos é outro espetáculo à parte, com opção de vinhos brasileiros, grandes clássicos do mundo ou uma mescla de ambos, escolhidos à dedo pelo sommelier Marcelo Fonseca, que explica: “O menu comtempla três harmonizações, a “Magna” é um passeio pela Europa, suas grandes regiões com pequenas produções. Meu foco aqui no Evvai é trazer algo exclusivo. A “Sintonia” foca no Brasil com essa mesma pegada de pequenos produtores que trabalham com seriedade. Para quem fica na dúvida criamos a harmonização “Plena” que representa uma junção das outras duas opções.”
Pão de mandioca de fermentação natural, manteiga de maracujá, o premiado azeite Borirello, pão queijo de Araxá frito com manteiga de kefir e o culatello curado do Rafa Bocaina fazem parte do couvert.
Para abrir a harmonização, um espumante Cava Segura Viudas Reserva Heredad Brut da região de Penedes na Espanha, com as típicas uvas Macabeo e Parellada provenientes de vinhas velhas de 25 anos, colhidas a mão. Tem boa acidez e sabores cítricos como abacaxi e laranja lima, frescor com final longo e persistente, perfeito para os snacks.
Com seus 800 anos de tradição, Seguras Viudas é uma vinícola boutique que produz Cavas premium e de baixa produção elaborados com conhecimentos históricos e que mantém rigorosos padrões artesanais.
Dos quatro snacks meu preferido foi a meringata de Acarajé, com base aerada de suspiro e a intensidade do bolinho mais famoso da Bahia.
Um delicado cone de massa de mandioquinha é preenchido com o queijo de búfala da Ilha do Marajó de 200 anos de história com toque salgado do aliche e o dulçor da cebola assada.
A tortinha azul é um mergulho no mar com botarga de tainha do projeto A.MAR em Ilha Bela e o apetecido atum Bluefin de cativeiro sustentável.
Marca registrada do Evvai, a bomba de vieira dessa vez leva mandioquinha para agregar maciez e apresenta-se na mão do chef moldada em gesso. É complementada por lardo e tomate confitado, como da primeira vez que estive no Evvai, em 2019.
Sou fã de uma saladinha e ela marca presença no menu em uma compoteira de vidro cheia de mini flores e folhas diversas temperadas com vinagrete de gin e favas gordas de baunilha do cerrado, caqui e sorbetto de tomate, cobertos por uma lâmina crocante de abóbora.
Produzida artesanalmente a partir da fermentação de frutos frescos, o Borbulhante de Caju da Cia dos Fermentados (Barueri/SP) passa por um processo análogo ao de um vinho laranja, com longa maceração e extração de taninos e aromas. A produção de apena 3.000 garrafas é sem adição de sulfitos, sem filtragem ou clarificantes e lembra um espumante brut. Atinge 8% de graduação alcoólica feito apenas com caju, água e mel. Amei!
Os dois pratos seguintes foram os meus preferidos. Das primeiras raças bovinas do Brasil, o Curraleiro-pé-duro está em alta e dele foi feito um maravilhoso tartar acompanhando por granita de carne e ostra, um show de texturas feito também com a beterraba em picles e telha crocante.
O Don Jacobo Blanco Ecológico 2021 da Bodegas Corral em Rioja Alavesa na Espanha apresenta proporções iguais da Viura, uva branca mais cultivada na região, Tempranillo Blanco e Garnacha Blanca, variedades que mais comumente vemos em suas versões tintas. Rioja Alavesa é uma das melhores regiões para produzir vinhos frescos.
Em mais uma instigação aos sentidos, massa recém resfriada, pupunha fresca e lula confitada em forma de linguine são imperceptíveis aos olhos e se entremeiam ao sedoso creme de vôngoles numa perfeita acidez dada pelo limão e pimenta de cheiro fermentados com toque de vinho branco e óleo de salsinha. Sensacional.
Uma das primeiras vinícolas de Riesling no mundo, Schloss Johannisberg produz vinhos desde 1720 em Rheigau, Alemanha. Em 300 hectares de floresta é retirada matéria-prima para a produção de seus próprios barris de carvalho utilizados no amadurecimento dos vinhos. O Johannisberg Riesling Bronze Seal 2020 é encorpado, com 40% do vinho em 6 meses de estágio em barricas. As videiras têm 25 anos.
Acidez no prato continua bem acentuada com o potente e denso molho de cupuaçu que acompanha o peixe lardeado. Somos convidados a comer uma casquinha de borboleta com corpo de jambu para sentir aquele tremor em boca.
Na filosofia de mínima intervenção, o Guardião da Intuição 2022 é um vinho laranja que fica somente 12 dias de contato com cascas. As uvas Chardonnay e Malvasia de Cândia são fermentadas espontaneamente e produzem apenas 533 garrafas no Vale dos Vinhedos. Vanessa K Medin é filha, neta e bisneta de viticultores, começou no mundo do vinho em 2008, em 2015 teve o primeiro contato com a vinificação natural e três anos depois deu início ao seu próprio projeto.
Galinha d´angola e cogumelo porcini de Santa Catarina figuram nos dois próximos tempos, primeiro juntos no recheio do raviolo regado por molho de tucupi.
Dos mais prestigiados vinhos italiano, o Brunello Di Montalcino do produtor Tenuta di Sesta estagia em tonéis de carvalho da Eslovênia por 30 a 36 meses. Passa ainda 12 meses em garrafas antes de ser comercializado.
Depois a galinha e o cogumelo entram em contraste de temperaturas em que nós mesmos somos levados a derramar o caldo da galinha no sorvete de cogumelo.
Aromas frutados explodem na taça do espanhol Cambio de Tercio 2020, da região de Valencia – D.O. Utiel-Requena, conhecida pelo uso predominante da casta Bobal. O enólogo Bruno Murciano ao lado de seu irmão faz um trabalho de resgate de vinhas velhas de 70-80 anos cultivadas biodinamicamente em vaso sem irrigação, como é o caso da uva Bobal.
Repensada de forma fresca, a feijoada do Luiz Filipe apresenta-se em uma saladinha de feijão de corda colhido ainda verde, na fava, o feijão vivo da Paraíba apelidado pelo amigo e colega Onildo Rocha. A barriga é do leitãozinho de porco Caruncho, criado solto e salvo da extinção por pequenos produtores como Rafael Cardoso na Serra da Bocaina.
Produzido com a uva Gamay, o Beaujolais Champ de Cour, Domaine Thibault Belair 2019 passa por fermentação natural, sendo 40% das uvas processadas com seus cachos, o que agrega mais estrutura, sem perder o frescor. Repousa 15 meses em barris de carvalho antigo.
Maçã verde carbonatada, com gás, pepino e iogurte de ovelha faz a limpeza do paladar para as sobremesas.
Côco-liflor é uma certeira loucura da chef confeiteira da casa, Bianca Mirabili em misturar coco fresco, couve-flor e chocolate de milho caramelizado em uma sobremesa inusitada, toda branca.
É dela também a ideia de servir o tradicional picolé do Evvai
dessa vez no ousado sabor de croissant com mel de melípona e um fofíssimo micro-croissant.
Eis que chega o último vinho da noite, o Era dos Ventos Peverella Licoroso, que está super em alta e eu soltei “Ah esse vinho está nos perseguindo”. Na noite anterior apreciamos essa maravilha no menu harmonizado do Notiê. Prontamente o sommelier Marcelo Fonseca recolheu as taças e trouxe outra jóia, já que ele queria algo que surpreendesse.
E então chega com o coravin no Château Rieussec 2008, clássico late harvest dos melhores e mais consagrados da região de Sauternes em Bordeaux na França. Um mel aveludados na boca, untuoso, repleto de frutas branca maduras, especiaria e com acidez viva. Blend de Sémillon (86%), Sauvignon Blanc (12%) e Muscadelle (2%).
Dentre os nove Premier Crus de Sauternes classificados na famosa Exposition Universelle de Paris de 1855 (os outros dois são da região de Barsac), o Château Rieussec está entre os mais celebrados e não à toa foi adquirido pelo Domaines Barons de Rothschild (Lafite) em 1984.
Dos opcionais cobrados à parte (caviar Ossetra por R$199, Wagyu A5+ por R$259 e Tartufo nero melanosporum por R$197) considero imperdível o prato de queijos brasileiros e meles de melípona (R$79), das mais variadas sensações que superam o doce comum do mel e chegam a ter sabores ácidos, florais, avinagrados, picantes, cada um mais surpreendente que o outro.
A recomendação é saborear os queijos na crescente intensidade de sabor, que começa pelo Cuesta de Pardinho/SP, o italiano Grana Padano, queijo de cabra Pirâmide do Bosque de Joanópolis/SP, queijo de ovelha Guainá de Porto Feliz e termina no gorgonzola dolce da Itália.
Os meles são a estrela da noite, de meliponas Tiúba, Manduri, Emerina, Borá, Mandaçaia, abelhas nativas brasileiras, aquelas pequenininhas sem ferrão. São de abelhas de 5 regiões diferentes do país, cada uma com uma floração anual, apesar do mesmo mel mudar de sabor, acidez e fluidez de um ano para o outro de acordo com a temperatura e alimentação.
Ainda tem a etapa final com os petit fours: bombom de especiarias, tortinha de pistache, alfajor de doce de leite, macarron de goiabada e laranja e balinha de bacuri.
Não resistimos em aceitar um Expresso Martini para fechar com chave de ouro.
Hipnotizada pelos aromas do Sauternes Château Rieussec.
Ao sair ainda teve uma barrinha de chocolate de presente para levar!
Que noite!
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Novo Menu do Evvai na minha coluna de gastronomia do Cidade Conecta
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Mais degustatividade no Evvai.
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Evvai
Rua Joaquim Antunes, 108, Pinheiros, São Paulo, SP