Chef Caio Soter ressalta a cultura de uma região sofrida, de pessoas trabalhadoras, retratada na alta gastronomia.

Com criatividade a mil e cultura mineira no talo, Caio Soter declara: “O vale do Jequitinhonha é uma região muito rica culturalmente e tem o paradoxo de ter o menor IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – do Estado, então intitulei o novo menu “Do Barro à Lama” e quero mostrar o maravilhoso artesanato de barro que fez o Jequitinhonha ganhar o mundo em contrapartida com a lama, representada pela exploração do minério desordenada. Inclusive o Rio Jequitinhonha foi um dos muitos castigados nas ultimas décadas em Minas Gerais. Então vamos contar a história de como isso tem feito nosso estado sangrar e como podemos ressurgir da lama.”

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Os pratos foram estruturados para ser uma narrativa sobre um dia no Vale do Jequitinhonha, desde o amanhecer, passando pelos lanches, pescaria, janta e quitandas. A cultura de uma região de extrema pobreza sendo retratada na alta gastronomia.

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Para acordar, o dia começa passando um cafezinho no coador de pano. A chaleira de barro vem na mesa com água de milho, um chá feito com a espiga e palha do milho. No café da manhã não pode faltar pão de queijo, biscoito de polvilho e broa de milho. Esses ícones mineiros receberam um toque do chef como o pó de quiabo páprica em cima do biscoito de polvilho e o pão de queijo assado em uma forma que circula toda a massa e faz com o que ele fique com uma casquinha bem crocante.

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Depois vêm os beliscos, e o show de louças regionais continuam. Representando a antena parabólica, o suflado de mandioca com espuma de requeijão moreno e lombinho curado chega à mesa em cima de uma casinha. A ostra de frango dessa vez vem com creme de milho e o jiló ao molho de mostarda volta em formato mini, duas marcas registradas do Pacato que permaneceram.

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Para harmonizar com os beliscos, foi servido o vinho brasileiro Thera Sol Rosé uma linha de apenas 6.000 garrafas que simboliza o renascimento do wine bar da vinícola, destruído por um incêndio. O sommelier Hugo Cesar conta que o Pacato é um apoiador dessa causa, além de ser um rose de Pinot Noir bem clarinho, com acidez presente e frescor para limpar o palato entre um snack e outro.

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Quando a gente sai de casa no meio na manhã, costuma dar uma sede principalmente no calor do Jequitinhonha, então um refresco é sempre bom. Somos convidados a refrescar com o sorbet de cana com gel de cachaça e óleo de limão capeta com manjericão.

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Lembro-me de quando Caio disse que estava em busca de um bom peixe de rio e conseguiu. Trouxe o surubim do Rio Jequitinhonha, abriu a panelinha preta de barro e aquela fumacinha aromática tomou conta do salão. Em uma cama de taioba e couve, o peixe tenro ainda recebeu um molho rio e terra, que vai caldo de galinha, caldo de peixe e suco de maracujá do mato, regado na hora.

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Como o pescado tem notas defumadas, foi servido o Vallontano Chardonnay, um branco de boa untuosidade e cremosidade da safra de 2020, considerada a melhor safra das últimas décadas na Serra Gaúcha.

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Após a pescaria, tem que ter um lanchinho, aí vem uma espetacular empadinha de frango com patê de fígado, pele crocante, castanha de pequi e broto de coentro. Virei pro Caio e disse sem cerimônia: quero um cento dessa empada. Lanche em Minas Gerais acompanha a famosa guia, cheia de Princesa do Vale, lá de Pedra Azul, uma cachaça macia e muito agradável, a qual obtive recarga, já que coisa boa a gente sempre quer mais.

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Foi ótimo para acompanhar a empadinha surpresa, de massa de pururuca com colágeno de porco, tartar de porco e esferas de pequi e coentro, dois ingredientes polêmicos para mais uma polêmica, o porco cru. Que bocada fantástica! “Manda dois centos, por favor”, eu na minha euforia.

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Extremamente macia e rosada, a carne de sol acompanha o que o boi come, a palma, cactácea forrageira que faz parte da base alimentar dos rebanhos de zonas áridas e semiáridas, em forma de salada acrescida de vagem e mandioca e maionese de manteiga de garrafa.

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Château Moulin du Bois du Noble 2015 foi o escolhido para essa etapa já que apresenta boa estrutura sem perder a elegância com seu corte bordalês composto por 65% Merlot, 25% Cabernet Sauvignon e 10%Cabernet Franc.

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Momento chocante é quando vem “A degola”. Estende-se um jogo americano branco para receber o prato triangular avermelhado com pescoço de galinha e molho pardo derramado, em representação ao extrativismo mineral que mancha de sangue a bandeira de Minas Gerais. Não pelo apelo em si, mas esse prato me emocionou por conta do sabor de uma das partes mais potentes da galinha que é o pescoço, carne difícil de ser apreciada por ser agarrada ao osso. Aqui a iguaria é desossada e recomposta no seu formato original por uma fina e crocante pele. Canivete Opinel é colocado entre os talheres para que o pescoço seja degolado. O delírio de sabores se completa com purê de milho e uma densa glace de molho pardo.

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Grande achado da Liber Wines da região dos vinhos verdes, o tinto Pequenos Rebentos Atlântico D.O.C. 2020 tem coloração delicada e vivacidade, um vinho muito equilibrado e elegante que está fazendo sucesso por aí! Perfeito para apreciar com o pescoço desossado.

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É chegada a hora do docinho: tortinha de queijo cabacinha diretamente de Pedra Azul com marmelada, bolo de banana, doce de leite fermentado e gelato de milho.

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Para equilibrar o doce, foi servido um Jerez Cream Pemartin das uvas locais Pedro Ximenez e Palomino, o vinho fortificado, licoroso, típico da Espanha, envelhecido por mais de 3 anos sob o sistema Soleras e Criaderas. Licor dos deuses.

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No final vem as quitandas, e eu nunca vi algo tão delicado para fechar com chave de ouro um menu. Mini delicinhas em uma lindíssima apresentação com gosto de quero mais. Queijo do serro em diferentes maturações, fresco e curado por 60 dias, marmelada que não é de marmelo, e sim de pequi, biscoito amanteigado de tamarindo, requeijão moreno com rapadura e bala de coco recheada com goiabada cítrica, arrancaram meus últimos suspiros de emoção.

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Recomendo sentar no balcão e apreciar bem de perto o movimento sereno da cozinha aberta.

O menu degustação composto por nove pratos conta a história da cozinha de quintal de Minas Gerais em homenageia o Vale do Jequitinhonha e fica em R$ 330,60. Quem opta pela experiência completa com harmonização de vinhos selecionados pelo sommelier Gustavo Giacchero há um acréscimo de R$230,60.

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Fora do menu, Caio me veio com uma surpresa. Em São Gonçalo do Rio das Pedras, Seu Ademil produz um tinto suave da uva Izabel há 50 anos, receita de seu avô, que aprendeu com monges da região a fazer vinho de quintal. Lá no Jequitinhonha serve-se esse vinho no copo de barro, e assim foi feito no Pacato. Para a minha surpresa nada se parece com a maioria dos vinhos suaves, o Vinhos de uba Izabel de Ademil Sebastião Ribeiro tem equilíbrio e ótima acidez.

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Sou fã desde o início da carreira gastronômica, temos de Umami Steaks em 2018.

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Jequitinhonha invade o Pacato na minha coluna de gastronomia do Cidade Conecta.

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Mais Degustatividade no Pacato.

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Pacato

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